sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Jesus no Xadrez, Chico Pedrosa; Toda a emoção de Lirinha

Eu ainda não conhecia o Cordel do Fogo Encantado aqui de Arcoverde, sertão pernambucano.
Era São João (ou Semana Santa?) e nós tínhamos uma casa alugada em Serra Negra, um povoado a 1.000 m de altitude, em Bezerros. Lá em cima, bem no alto, existe um anfiteatro ao ar livre, escadarias enormes, o palco lá embaixo, uma visão estarrecedora, um frio de rachar, neblina. As pessoas repetiam "você não pode perder o Cordel!". Tá bom, então vamos ver o cordel...
Foi um dos melhores shows que já assisti. A presença de Lirinha no palco absorve por completo a sua atenção. Ele hipnotiza, está possuído pela própria arte, não pára um segundo, é música com teatro, é tudo, e tudo convergia para um momento inesquecível.
Foi quando a banda parou. Silêncio total. Na platéia nem um pio.
A maioria, os fãs - veio gente todo lugar - eles já sabiam o que iria acontecer. Mas eu não sabia.
Então Lirinha com sua voz apocalíptica, interpretou o cordel Jesus no Xadrez, de Chico Pedrosa:
(no final a galera foi ao delírio, aquilo foi LINDO!!!!!!)


No tempo em que as estradas
eram poucas no sertão
Tangerinos e boiadas
cruzavam a região
entre volante e cangaço
Quando a lei
era a do braço
do jagunço pau mandado
do coroné invasô
Dava-se no interiô
esse caso inusitado

Quando o palmeira das antas
pertencia ao capitão
Justino Bento da Cruz
Nunca faltô diversão
vaquejada, canturia,
procissão e romaria
sexta-feira da Paixão

Na quinta-feira maió
Dona Maria das Dores
no salão paroquial
Reuniu os moradores
depois de uma preleção
ao lado do capitão
Escalava a seleção
de atrizes e atores

Todo ano era um Jesus,
um Caífaz e um Pilatos
Só nao mudavam a cruz,
o verdúgo e os maus-tratos

O Cristo daquele ano
foi o Quincas Beija-Flor
Caífaz foi Cipriano
Pilatos foi Nicanô

Duas cordas paralelas
separava a multidão
Pra que pudesse entre elas
caminhar a procissão

Quincas conduzindo a cruz
Foi num foi advertia,
um Cinturião pervesso
que com força lhe batia

Era pra bater maneiro,
Bastião num intindia
Devido um grande pifão
que tomou naquele dia
do vinho que o capelão
guardava na sacristia

Cristo dizia:
"ô rapaiz, vê se bate divagar,
já to todo incalombado
assim num vô aguentar,
tá ca gota pra duer,
ou tu pára de bater
ou a gente vai brigar
jogo já essa cruz fora,
to ficando aperriado,
vou morrê antes da hora
de ficar crucificado"

O pior é que o malvado
fingia que não ouvia
e além de bater com força
ainda se divertia,
espiava pra jesus,
fazia pouco e dizia:
"que Cristo froxo é você
que chora na procissão?
Jesus pelo que se sabe
num era mole assim não
eu tô batendo com pena,
tu vai vê o que é bom,
na subida da ladeira
da venda de fenelon
o côro vai ser dobrado
até chegar no mercado
a cuica muda o tom"

Naquele momento ouviu-se
um grito na multidao
era Quincas
que com raiva
sacudiu a cruz no chão
e partiu feito um maluco
pra cima de Bastião
Se travaram num tabefe,
pontapé e cabeçada
Madalena levou queda
Pilatos levou pancada
Deram um cacete em Caífaz
que até hoje não faz
nem sente gosto de nada

Dismancharo a procissão
o cacete foi pesado
São Tomé levou um tranco
que ficou desacordado
Acertaram um cocorote
na careca de Timote
que inté hoje é aluado

Inté mesmo São José
que num é de confusão,
na ânsia de defender
seu filho de criação
aproveitou a garapa
pra dar um monte de tapa
na cara do bom ladrão

A briga só terminou
quando o dotô delegado
interviu e separô
cada santo pro seu lado

Desde que o mundo se fez,
foi essa a primêra vez
que Jesus foi pro xadrez
mas num foi crucificado

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