domingo, 4 de novembro de 2007

Trailer de livro - O Cheiro de Deus

"Durante a noite, Vó Inácia conversava com o rifle a tiracolo sobre o pecado e as penitências que cada um de nós dá a si mesmo.
-Se eu fosse viver de novo, irmão rifle, com o que aprendi como cega, eu ia agir como se todo dia fosse dia de festa. Eu ia decretar um feriado nacional só pra mim e viver cada coisa sem o sentimento de pecado, sem o sentimento de culpa que está matando meu filho Red Label. No Contestado, rifle velho de guerra, você sabe, eu não tinha a sabedoria de uma cega e vivia como se todo dia fosse Sexta-feira da Paixão.
Respirava fundo, acariciava o rifle e continuava:
- Não é pecado ser feliz, irmão rifle. O que estraga tudo é esse sentimento judaico-cristão de culpa. Culpa por estar alegre. Culpa por estar feliz. Culpa por amar. A alegria, a felicidade e o amor, irmão rifle, são invenções de Deus. Mas eu sempre agi como se fossem invenção do Diabo. É a maneira branca de ver a vida que fez isso comigo, irmão rifle. Quando Catula vira uma negra, perde o sentimento do pecado. Uma vez, em Cruz dos Homens, Catula ficou negra 13 dias e 13 noites e nunca eu a vi tão feliz. Ser triste é que é ser pecado. Se eu fosse viver de novo sabendo o que eu sei hoje, ia dançar e rir e amar.
Ria para o rifle a tiracolo e voltava a conversar:
- Tive que ficar cega, irmão rifle, para saber: viver é um ato mágico. É a grande mágica de Deus.
[...] Mas a Catula negra ri e faz festa, porque a Mãe África ri, é pobre, mas ri, e Portugal e a Espanha e o Brasil pensam que ser alegre é pecado, e se penitenciam. Mas Deus não quer ver ninguém triste."
Roberto Drummond. Capítulo 33, página 367.

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