sábado, 17 de novembro de 2007

Dona Doida


De todos os poemas de Adélia Prado, esse, Dona Doida, pisa com alpercatas de arame, como diria Chico César, bem no fundo da minha alma, e dói demais. Dói muito. Antes, quando eu sentia essa dor, eu tomava dorflex achando que ia passar...nunca passou. Nunca mais vai passar.

Eu ainda não falei sobre a minha mãe, porque é uma relação tão dolorida que eu não sei explicar. Dona Helga é Dona Doida. E é também tudo o que sofre em mim. Talvez com o tempo eu entenda. Mas já se vão 5 anos de terapia, e essa dor que só aumenta.





Dona Doida
Adélia Prado
Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.




O texto acima foi extraído do livro "Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.

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