segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dona Doida







Nunca consegui falar sobre minha mãe aqui nesse blog. Posts e posts sobre Raul, nada de Helga. Não é só aqui. Trata-se de um bloqueio.

Agora faz um ano que ela morreu (na verdade um pouco mais) e sua presença é para mim mais concreta do que quando ela estava viva se bulindo.

Fiz 5 anos de psicanálise e até hoje não tenho certeza se minha mãe era uma mulher muito à frente de seu tempo ou se ela era doida mesmo.

No primeiro caso ela estaria mais para Leila Diniz do que para Simone de Beauvoir.

Mas ela tinha plena convicção de que as mulheres tinham exatamente, rigorosamente os mesmos direitos que os homens, contanto que não precisassem trabalhar.

Não que ela fosse inculta ou iletrada. Devorava livros, cursou universidade federal.

Bebia e fumava desde os 15 anos. Fazia penteados altos de laquê duas vezes por semana e era capaz de dormir sentada para não desmanchá-los. Fumava com suas longas unhas vermelhas que nos causavam pavor por causa dos beliscões.

Mordaz, sua ironia corrosiva destruía auto-estimas por onde passava, mas foi responsável pela sua solidão.

Um dia, para meu espanto, ela me disse que a sensação de morrer devia ser deliciosa igual a de um orgasmo. Fiquei estarrecida. Ela, que nasceu em 1936, não apenas conhecia a sensação do orgasmo como tinha tanta intimidade com eles que considerava o assunto trivial.

Helga aprendeu a dirigir em uma Rural 1964. Meu pai não foi seu primeiro namorado e ela não casou virgem.

Filha de um alemão de Dusseldorf com uma gaúcha de Porto Alegre, sempre foi uma mulher cosmopolita. Tinha mania de levar os filhos a psicólogos e dentistas. Ninguém fazia isso, principalmente em Piracicaba, interior de São Paulo, para onde, horrorizada, se mudou por causa do trabalho de meu pai. Aos 3 anos eu frequentava regularmente o dentista. Em 1970 levou minha irmã ao psicólogo porque ela se recusou a ir com amigos ao cinema. Considerou depressiva aquela atitude. Quanto à mim fiz , minha primeira consulta ao psicólogo aos 12, 1974, plena ditadura militar. O motivo? rebeldia. Respostas que eu tinha na ponta da língua.

Mulher de difícil convivência, um a um fomos saindo de casa.

O primeiro foi meu pai, eu tinha 15 anos e eles 23 anos de casados.

Helga mudou pra pior. Além disso, aos 42 anos, além de desquitada, arrumou um namorado de 22 anos. Minha irmã tinha 24. Minha irmã foi embora de casa. Eu virei a bola da vez. Então fui morar com meu pai.

A minha relação com dona Helga foi sempre tão difícil e dolorosa, tema de intermináveis sessões de terapia, enfim. E foi na terapia que, aos 40 anos, descobri que meu pai tinha defeitos! Isso foi uma revelação. Eu não via defeitos em meu pai. Também descobri qualidades em minha mãe!

E hoje, depois que ela morreu, (quer ser bom? morra.) hoje vejo outras qualidades nela, e vejo o quanto somos parecidas, fato que sempre me horrorizou admitir. E que agora entendo tudo e até sinto orgulho. Helga. Só agora, meio século depois consegui te compreender. Acho que eu te amaria.

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